domingo, 8 de abril de 2012

Poesia - O Amor, Meu Amor - Mia Couto

O Amor, meu amor, nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto in "Idades, cidades, divindades" 

Autor do blog Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, estudou Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Estagiou como Técnico de Intervenção Social numa Instituição vocacionada à reinserção social de ex-reclusos e apoio a famílias em vulnerabilidade social, é blogger desde 2007, de cariz humanista, também dedica-se a outros blogs de temas diversos.

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